sexta-feira, 4 de abril de 2014

Salvem a Liturgia e a Liturgia nos salvará!

 
A reforma litúrgica empreendida pelo Concílio Vaticano II foi uma das grandes preocupações dos padres conciliares, sendo o tema o primeiro a ter um documento aprovado : a SACROSANCTUM CONCILIUM . O TEXTO, INSPIRADO NA TRADIÇÃO DA IGREJA E NO DEPÓSITO DA FÉ , contribuiu para a renovação do espírito litúrgico e enriquecimento das Celebrações Eucarísticas. Todavia, não por causa do Concílio, mas por um errôneo desejo de ruptura com o passado , também cresceu em não poucos ambientes católicos uma má compreensão acerca do que é e o que significa o mistério da Santa Missa


Essa crise no modo como se celebra a liturgia teve especial atenção no pontificado de BENTO XVI . Para o Papa Emérito, 
"a crise na Igreja, pela qual passamos hoje, é causada em grande parte pela decadência da liturgia" . É o que se vê, por exemplo, num grande número de comunidades que, MOTIVADAS POR UM DESEJO DE PROTAGONISMO , deixam de lado o culto devido a Deus e acabam celebrando a si mesmas . Celebra-se antes o homem, do que Deus. Assim, surgem variadas modalidades de inovações e arbitrariedades que oprimem o rito litúrgico e o tornam propriedade humana, não divina


Contra essa tendência de ruptura e desvio na liturgia, o mestre de cerimônias pontifícias, Monsenhor Guido Marini , evoca a "hermenêutica da continuidade" proposta por BENTO XVI como único termo válido para interpretação dos textos conciliares. Marini se questiona se é possível imaginar "que a Esposa de Cristo, no passado, tenha transcorrido algum tempo histórico em que o Espírito não tenha dado assistência a ela, como se tal tempo devesse ser esquecido e cancelado" . Ora, não há nada mais absurdo que tal proposição, sobretudo quando se tem em mente o discurso de abertura do Concílio, no qual o Bem-aventurado JOÃO XXIII pedia com insistência para que “o depósito sagrado da doutrina cristã fosse guardado e ensinado de forma mais eficaz”


A Sacrosanctum Concilium apresenta a liturgia como um dom de Deus, uma vez que "toda celebração litúrgica, enquanto obra de Cristo sacerdote e do seu Corpo que é a Igreja, é ação sagrada por excelência..." (Cf. Sacrosanctum Concilium, n. 7) . Ainda citando a Encíclica Mediator Dei, de PIO XII , define-a como "o culto público... o culto integral do corpo místico de Jesus Cristo, isto é, da cabeça e de seus membros" . Com efeito, diz Guido Marini , é na liturgia que a Igreja se reconhece "oficialmente" a si mesma, "o seu mistério de união esponsal com Cristo, e aí oficialmente se manifesta". Desse modo, cada expressão do rito comunica a presença e a ação de Deus na humanidade muito mais que qualquer acréscimo inoportuno . Sendo assim, a liturgia precede e supera o homem, pois é "dom que vem do alto" e "mistério de salvação" . E é por isso que ela não pode ser modificada ou negligenciada


O Cardeal MALCOM RANJITH , Arcebispo de Colombo, Sri Lanka , alertou para o perigo de querer
"tornar a liturgia mais interessante ou apetecível" durante sua conferência no encontro Sacra Liturgia, que foi realizado em Roma entre os dias 25 a 28 do mês passado, na Pontifícia Universidade da Santa Cruz . O cardeal interpelou aos que estavam presentes à conferência perguntando : "Se tais improvisações tornassem a Liturgia verdadeiramente mais eficaz e interessante, então, por que com tais experimentações e criatividade o número dos participantes aos domingos caiu tanto e tão drasticamente em nossos dias?" . E, ainda assim, por mais que essas inovações fizessem sucesso e atraíssem um grande público - o que é patentemente falso - não é este o critério com o qual um cristão presta adoração a Deus em "espírito e verdade" . A Santa Missa não é um espetáculo com pipoca e refrigerante, é antes o sacrifício para a redenção da humanidade


A obediência às normas litúrgicas é, portanto, de suma importância para a reta compreensão dos mistérios cristãos, "pois são textos onde estão contidas riquezas que guardam e exprimem a fé e o caminho do povo de Deus ao longo de dois milênios da sua história" (Cf. Sacramentum caritatis, n. 40). Além disso, recorda também o Mons. Guido Marini,
"existe um direito do povo de Deus que não pode jamais ser menosprezado", que é o DIREITO de assistir à Missa tal como ela deve ser . Aliás, é bom recordar que o referido direito não é apenas um piedoso desejo do respeitado liturgista . O próprio Código de Direito Canônico afirma isto ao elencar os direitos de todos os fieis : "Os fiéis têm o direito de prestar culto a Deus segundo as prescrições do rito próprio aprovado pelos legítimos Pastores da Igreja" (Cân 214) . "E em virtude de tal direito - prossegue o monsenhor - todos precisamos estar em condições de alcançar o que não é simplesmente fruto pobre do agir humano, e sim obra de Deus, e exatamente por isso é fonte de salvação e vida nova"


A pessoa a quem o cristão se dirige quando reza é Deus . Pense-se, por exemplo, no diálogo introduzido pelo prefácio, no momento da liturgia eucarística, quando o sacerdote se volta para o povo e diz : "corações ao alto" e a assembleia responde : "o nosso coração está em Deus" . É o tempo no qual pastor e rebanho se recolhem e olham juntos para o céu à procura da luz que emana de Cristo . É uma ação sobretudo interior, mas que através da sabedoria da Igreja, ganhou sinais exteriores de modo a indicar a correta atitude espiritual do fiel


A disposição arquitetônica das igrejas e os espaços litúrgicos foram alguns dos elementos que buscaram simbolizar - ao longo da história - a maneira como os cristãos rezam. Tradicionalmente, a chamada oração voltada para o oriente também foi um desses sinais. Conforme explica o mestre de cerimônias pontifícias, Monsenhor Guido Marini, entende-se por oração voltada para o oriente o 
"coração orante orientado para Cristo, do qual provém a salvação e para o qual todos tendem como Princípio e Termo da história" . Mas por que para o oriente? Porque é onde nasce o Sol, e sendo ele símbolo de Cristo, a TRADIÇÃO achou por bem acolher na Liturgia o que é dito de maneira simples no Evangelho de São Lucas : "O sol que surge no Oriente vem nos visitar" (Cf. Lc 1, 78)


Posto isso, não é difícil de entender o quão equivocadas são certas críticas à maneira como a Igreja celebrava a Santa Missa antes da reforma litúrgica de Paulo VI . Afirmar que o sacerdote rezava de costas para o povo é, no mínimo, injusto . Pelo contrário, a posição do celebrante indicava que tanto ele quanto o resto da assembleia estavam direcionados para o verdadeiro protagonista da Celebração Eucarística : JESUS CRISTO . E mesmo no Missal de 1969, no qual o ministro celebra de frente para a assembleia, é a Deus que as orações se dirigem, pois como explica Marini, a expressão celebrar voltado para o povo não tem significado teológico, sendo apenas uma descrição topográfica


Ademais, "a missa, teologicamente falando, está voltada para Deus, através de Cristo nosso Senhor, e seria um grave erro imaginar que a orientação principal da ação sacrifical fosse a comunidade" , ensina Marini . Na Liturgia, indica o Concílio Vaticano II , "os sinais sensíveis significam e, cada um à sua maneira, realizam a santificação dos homens" (Cf. Sacrosanctum Concilium, n. 7) . Nisso se insere a proposta de BENTO XVI , radicada naquilo que se convencionou chamar arranjo beneditino. Trata-se, explica o Santo Padre, de "não buscar novas transformações, mas colocar simplesmente a cruz no centro do altar, para a qual sacerdote e fiéis possam juntos olhar, para deixarem guiar de tal maneira voltados para o Senhor, a quem oramos todos unidos" (Introdução ao espírito da liturgia, p. 70-80)


 Uma vez que não é para o celebrante que o fiel deve olhar durante esse momento litúrgico, mas para o Senhor, a cruz - lembra Guido Marini - "não impede a visão; ao contrário, lhe abre o horizonte para o mundo de Deus, e a faz contemplar o mistério, a introduz no céu, de onde provém a única luz capaz de dar sentido à vida neste mundo" . O ponto central da Santa Missa é onde se encontra o Senhor, e por isso a presença do crucifixo no altar ajuda a comunidade e o celebrante a lembrarem o mistério que ali acontece. Com efeito, recorda o Catecismo da Igreja Católica, "a liturgia, pela qual, principalmente no divino sacrifício da Eucaristia, 'se exerce a obra de nossa redenção', contribui de modo mais excelente para que os fiéis, em sua vida, exprimam e manifestem aos outros o mistério de Cristo e a genuína natureza da verdadeira Igreja", (Cf. CIC 1068)

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