segunda-feira, 5 de agosto de 2013
Refletindo sobre a relação entre Pais e Filhos
Um dos temas mais discutidos na literatura das ciências humanas é a relação entre pais e filhos e tudo o que envolve o assunto – limites, a importância do diálogo, educação, entre outros. Por isso, ao logo do tempo foram surgindo vários conceitos e ideias, que acabaram se transformando em verdadeiros manuais de ‘Como educar seu filho’. Não há nada mais complexo do que as relações humanas e julgo uma temeridade reduzir toda essa riqueza a regras fixas a serem aplicadas para que o sucesso possa acontecer!
A maioria desse material tem o foco, basicamente, no comportamento da criança – a criança que é mimada, a birrenta, a distraída, a hiperativa, a que não tem limites, e por aí vai… Mas sabemos o perigo de lidar com essas questões de forma tão massificada – passa-se por cima da criança que você tem em casa para falar da criança da teoria, da pesquisa, do conceito.
Não existem fórmulas prontas para serem aplicadas, que garantam o desenvolvimento emocionalmente equilibrado das crianças, para que se tornem adultos felizes e produtivos. Mas não é por isso que não podemos pensar em alguns caminhos possíveis para refletirmos a questão, tomando todo o cuidado para ao cairmos na armadilha de criar mais um manual de instruções.
Nesse momento, convido vocês a uma reflexão sobre o tema, destacando um ponto importantíssimo – vamos pensar nos pais, abrindo um novo horizonte de compreensão. Vamos partir desse ponto e deixar as ideias abertas, para que cada um que leia esse texto possa completa-lo de acordo com sua própria vivência.
Em primeiro lugar, quero pontuar a importância dos pais responsabilizarem-se por um ambiente familiar emocionalmente equilibrado, afinal, eles são os adultos da relação, e o exemplo sempre partirá deles! Mas para isso, eles precisam estar em boas condições físicas e emocionais. Antes de tudo, antes de serem pais, eles são pessoas e precisam levar em consideração suas demandas e necessidades. A função mais sublime de um pai e de uma mãe é ser cuidador. Mas todo cuidador precisa, também, de cuidados! Eu diria, especificamente, autocuidado. Imaginem que exemplo maravilhoso para seu filho ver que você busca seus sonhos, cuida da saúde física e emocional, consegue estabelecer uma rotina e limites de forma que a organização seja um ponto forte no seu modo de ser! E quem já não ouviu que o melhor ensinamento é a própria ação efetivada? Não adianta um sermão lindo para seus filhos sobre como eles devem enfrentar a vida, se ao mesmo tempo a criança percebe que você se desorganiza em seus compromissos, não cuida de sua saúde, não cultiva seus relacionamentos, vai para o trabalho desmotivado e chega estressado, dizendo que odeia o que faz… Isso é pura incoerência, e a criança e o adolescente vão perceber isso. Portanto, gostaria que vocês refletissem nesse momento sobre como estão conduzido suas vidas, de que modo estão cuidado de seu ser-no-mundo, o que precisa ser ressignificado, que exemplo estão passando para seus filhos?
O que estamos dizendo é a importância de se cuidar da existência, e nesse sentido, cuidado é um ato de amor. E pensado dessa forma, chego a outro ponto fundamental nas relações humanas, especificamente na relação entre pais e filhos, que é o osso tema central: como esse amor é expresso na relação? Como você demonstra seu afeto por seu filho?
Não se trata de arrumá-lo bem para que vá à escola, preparar sua comida, cuidar de sua higiene, acompanhar suas tarefas escolares, lavá-lo ao médico… Já ouvi muitas mães se vangloriarem de serem mães exemplares por realizarem esse tipo de cuidado, que eu costumo chamar de ‘cuidado prático’. Ok, ele é importante, mas não é o essencial na demonstração de amor e afeto. Como resposta a essas mães, também já ouvi filhos dizerem ‘ela cuida de tudo isso, mas não consegue me dar um beijo, não quer ouvir minhas histórias, não tem paciência para jogar uma partida do meu jogo preferido’. Então, é sobre isso que estou falado, sobre o estar junto com o seu filho, brincar com ele, participar de seu mudo, mostrar que tem interesse pelas suas coisas, não só nas que compõem o lado prático do dia-a-dia, mas principalmente naquelas coisinhas que toda criança gosta de compartilhar com os pais! Isso sim é mais essencial na relação, é o olhar que autentica a relação de amor que envolve todo o desenvolvimento da criança, é o olhar interessado, é o olhar que acompanha, escuta, acolhe e ofereça segurança. Porto-seguro.
E depois os filhos crescem, outros interesses vão surgindo, começam a reivindicar espaço, privacidade. Há até um certo afastamento natural – e saudável – em relação aos pais. E chega a tão temida adolescência! Mas ela não é motivo para os pais se desesperarem e chamarem seus filhos de ‘aborrecentes’… Se os pais conseguiram, até esse momento, manter o envolvimento afetivo com seu filho, mostraram-se presentes, responsáveis, agora é hora de novos acordos.
Continuem envolvidos na vida de seu filho, mas agora lembrem-se: ele não é mais uma criança indefesa e dependente. Ele precisará de espaço para crescer e precisará perceber que vocês confiam nele, assim poderá desenvolver-se com segurança. Dar espaço para que seus filhos conversem com vocês sobre seus interesses, seus amigos, como anda sua vida, é uma ótima maneira de exercitar o afeto na relação. Mas precisamos ressaltar que os pais de uma criança agem bem diferente dos pais de um adolescente. As demandas são outras, as questões e os limites também devem ser. Por isso, não é só a criança que passa pelas fases do desenvolvimento; os pais também precisam perceber essas mudanças em seu modo de ser pai. Não dá para falar om um adolescente de 16 anos da mesma forma como se fala com uma criança de 5 anos. Essa é uma dica valiosa, prestem atenção a isso e reflitam! Encontre a sua forma de falar com seu filho, em cada uma de suas fases.
As mudanças sempre acompanham o processo de educação de um filho, mas algumas coisas não mudam, como por exemplo: não importa a idade de seu filho, é sempre muito bom ter demonstrações de afeto e carinho com ele! E outra questão que é invariável é o estabelecimento de limites desde cedo e, sobretudo, de forma coerente. Os limitem auxiliam a criança a conseguir administrar o próprio comportamento, a se organizar, a sentir-se segura e protegida em uma rotina familiar que será sua plataforma para a vida futura.
Conversar sobre os limites e ouvir o que seu filho tem a dizer também é uma ótima maneira de dar espaço para que ele se coloque, para que ele se reconheça como alguém que tem opiniões, desejos, alguém que tem querer! Penso o quanto isso é significativo para a criança ou adolescente que está se descobrindo, que está começando a conquistar o mundo.
E nesse processo, aos poucos, a independência vai aparecendo. Aquela criancinha agora é um moço que tem sede de conquistar o mundo. E por mais que os pais o vejam sempre como o seu filhinho, a realidade deve ser encarada de frente.
Acabo de lembrar um lindo poema escrito por Gibran Khalil Gibran, poeta de origem libanesa que aborda exatamente essa questão e compartilho aqui com vocês:
“Vossos filhos não são vossos filhos.
São os filhos e as filhas da ânsia da vida por si mesma.
Vêm através de vós, mas não de vós.
E embora vivam convosco, não vos pertencem.
Podeis outorgar-lhes vosso amor, mas não vossos pensamentos,
Porque eles têm seus próprios pensamentos.
Podeis abrigar seus corpos, mas não suas almas;
Pois suas almas moram na mansão do amanhã,
Que vós não podeis visitar nem mesmo em sonho.
Podeis esforçar-vos por ser como eles, mas não procureis fazê-los como vós,
Porque a vida não anda para trás e não se demora com os dias passados.
Vós sois os arcos dos quais vossos filhos são arremessados como flechas vivas.
O arqueiro mira o alvo na senda do infinito e vos estica com toda a sua força
Para que suas flechas se projetem, rápidas e para longe.
Que vosso encurvamento na mão do arqueiro seja vossa alegria:
Pois assim como ele ama a flecha que voa,
Ama também o arco que permanece estável.”
Gibran Khalil Gibran
Os pais que compreendem esse poema saberão que não é preciso grandes manuais ou um ‘beabá’ sobre como educar seu filho. Saberão que a presença amorosa em cada momento, o respeito ao ser humano que está ali sob seus cuidados, a coerência entre o que se diz e o que se faz, a delicadeza no olhar, a prontidão para colocar limites, que tudo isso se constituirá na base firme na qual seu filho se desenvolverá. E arrisco a compilar todas essas atitudes em uma só: no amor que é demonstrado no dia-a-dia, de forma muito natural, na vivência da relação entre pais e filhos.
Por Anna Paula Rodrigues Mariano, Psicóloga e Psicoterapeuta Existencial
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